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Rodrigo Mattos

VAR: um gol ilegal decisivo é muito pior do que frustrar uma comemoração

rodrigomattos

19/04/2019 04h00

A implantação do VAR no Brasil com alguns erros e um lance decisivo no jogo entre City e Tottenham geraram uma discussão sobre se o árbitro de vídeo estaria tirando uma parte da emoção do futebol. Afinal, os festejos por um tento agora ficam condicionados à confirmação da tecnologia. Mas será que isso é pior do que um gol de mão claro decidir um campeonato e criar no torcedor a sensação de que o esporte é por princípio injusto?

Para iniciar a discussão, reconheçamos que há uma argumento bem embasado contra determinados efeitos do VAR no Brasil e fora. No caso brasileiro, há uma série de lances em que o árbitro tem marcado equivocadamente pênaltis ou anulado gols após consultar o VAR. Ressalte-se: isso tem ocorrido em número maior do que na Copa-2018.

Em lance no Grenal, o árbitro Jean Pierre de Lima apitou pênalti em cima de Cortez após leve puxão no calção. Não havia nenhuma intensidade para mudar seu movimento, e o jogador gremista usou o lance para se jogar. A TV mostrou que Jean Pierre analisou o lance com uma câmera congelada. Ora, como vai medir qualquer intensidade assim? Assim, uma mera mão nas costas vira empurrão. Se isso é pênalti, teremos um futebol sem choques?

Outro árbitro, Rodrigo Nunes de Sá, já tinha anulado gol legítimo de Bruno Henrique ao marcar impedimento inexistente após uma rebatida de Werley. Foi interpretar no VAR. E, pelo protocolo da Fifa, os árbitros não deveriam estar interpretando lances de intensidade, ou se foi um toque ou rebatida. Deveriam verificar questões objetivas e claras: foi mão? quem tocou? foi na área? Ou identificar uma falta clara que o árbitro não viu. Sim, foi um anticlímax a anulação pois o jogador rubro-negro festejava o gol.

Maior anticlímax ocorreu no gol de Sterling para o City nos acréscimos diante do Tottenham. Seria o tento da classificação dramática. Na revisão, o árbitro anulou com correção por impedimento já que outro atleta do City tocara na bola. A sensação do amante do futebol é que se perdia ali uma bela história, uma euforia pelo feito do time de Guardiola. Mas se ganhou justiça como o próprio Guardiola reconheceu.

Não há como negar que o VAR tira um pouco a graça da comemoração de gols ao deixa-los em suspenso, dependentes do aval do árbitro. Mas o que ele traz de ganho é bem maior: repita-se justiça. "Ah, continua a haver erros por isso segue injusto". Se bem aplicado, são injustiças bem menores, um lance discutível, não um gol de mão descarado. E é essencial ao esporte em geral a sensação de que o vencedor é o mais justo. Assim, transmite-se ao público a mensagem de que, se jogar dentro das regras e se esforçar, será recompensado.

Tente argumentar com um inglês sobre as belezas do gol de mão de Maradonna? Ele verá ali só trapaça, e terá razão. Converse com um santista sobre a final o Brasileiro de 1995 decidida por um gol claro de impedimento de Túlio? Até hoje ele não engoliu. E não estamos falando sobres lances de interpretação, discussões históricas sobre arbitragem, estamos falando de erros cristalinos que nem os beneficiados contestam e mudaram campeonatos.

Como já dito, há críticas pertinentes sobre o VAR especialmente no Brasil. Não dá para o árbitro demorar 9 minutos para decidir a questão do pênalti de Cortez porque é frustrar os torcedores e atrapalhar o andamento do jogo. Mas o mecanismo ainda está em adaptação no Brasil, espera-se melhoras com o tempo.

E, sim, será necessário um ajuste em relação a lances interpretativos, onde deve prevalecer a decisão inicial do árbitro de campo. Precisamos de melhores juízes que não sejam reféns da câmera, e isso passa por melhor treinamento, problema que já existia. Na Copa, repita-se: houve poucos lances que seguiram polêmicos porque os árbitros eram melhores.

Mas quem usa isso como argumento para tentar banir o VAR não parece enxergar que defende um futebol menos justo. Por que algo se perde na essência do jogo quando ele é decidido por um gol flagrantemente ilegal, e é uma perda maior do que a do festejo de um gol (que é muito relevante). Será que a queremos um esporte em que, em favor da emoção, deixemos a justiça de lado? E a emoção dos derrotados pela ilegalidade? Não importa?

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.