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Bolsonaristas ignoram estreia e vaiam gols do Brasil em frente a quartel

Desde 31 de outubro, bolsonaristas protestam em frente ao quartel do GAC, em Jundiaí (SP). Durante a estreia do Brasil na Copa do Qatar, vaiavam a cada gol da Seleção - Felipe Pereira/UOL
Desde 31 de outubro, bolsonaristas protestam em frente ao quartel do GAC, em Jundiaí (SP). Durante a estreia do Brasil na Copa do Qatar, vaiavam a cada gol da Seleção Imagem: Felipe Pereira/UOL

Felipe de Souza

Colaboração para o TAB, de Jundiaí (SP)

24/11/2022 18h45

O relógio marcava 16h em ponto. Nuvens carregadas se formavam no céu do interior de São Paulo e um vento agradável amenizava o calor de quase 30°C que fez durante a tarde. Enquanto o árbitro Alireza Faghani apitava o início da partida entre Brasil e Sérvia, no Estádio Lusail, no Qatar, começava em Jundiaí o Hino Nacional.

Mas não havia telão ou uma transmissão do jogo, e ninguém parecia realmente interessado nisso. Era o início de mais um ato em frente ao 12° GAC (Grupo de Artilharia de Campanha), onde acontece uma das maiores concentrações de bolsonaristas do país.

Desde 31 de outubro ocupando a entrada do quartel, que fica às margens da Rodovia Anhanguera, centenas de pessoas ignoraram completamente o jogo de futebol. Dezenas de barracas estão espalhadas pela calçada.

Um exemplo é o casal Giovana e Joaquim, que preferiram não dizer o sobrenome. De Bertioga, no litoral norte paulista, vieram apenas para acompanhar a manifestação que estava marcada para a hora do jogo.

"A gente gosta de futebol, gostamos da Seleção. Mas a Copa tem de quatro em quatro anos, e nesse momento preferimos ajudar o Brasil", disse Joaquim. "Queríamos pernoitar, mas não vai ser possível, infelizmente", completa a esposa.

Eles compraram bandeiras para enfeitar o carro, como um símbolo, segundo eles, "do patriotismo que exercem".

A reportagem testemunhou a conversa de dois bolsonaristas. Um deles havia acabado de chegar ao quartel. "Eu nunca imaginei que ia torcer contra o Brasil no futebol", dizia, ao se encontrar com um colega. "Vi um monte de gente desesperada querendo chegar em casa pra ver essa porcaria", completou. Questionado depois, ele não quis dar o nome.

Voaram críticas para todos os lados: à própria Copa, ao presidente da FIFA, que teria ficado "incomodado com o boicote dos brasileiros ao jogo" (fake news espalhada pelas redes sociais), aos jogadores, "que, quando veem que o negócio aperta aqui, fogem para o exterior".

"Eu já queria que perdesse hoje e já saísse dessa Copa", afirmou um metalúrgico, de nome Wanderlei. Ele também não quis dar o sobrenome quando soube que uma das pessoas com quem conversava era este repórter. "Se eu pudesse ficava aqui também, mas preciso trabalhar", ponderou, antes de se afastar — pedindo desculpas, uma cena rara em muitos dos protestos.

Aliás, as críticas contra a imprensa também foram constantes. A frase mais comum foi: "Ficam dando atenção para esse bando correndo atrás de uma bola, em vez de mostrar nossa luta".

Giovana e Joaquim saíram de Bertioga, no litoral norte de São Paulo, para protestar em frente ao 12º GAC - Felipe Pereira/UOL - Felipe Pereira/UOL
Giovana e Joaquim saíram de Bertioga, no litoral norte de São Paulo, para protestar em frente ao 12º GAC
Imagem: Felipe Pereira/UOL

Hino nacional e oração

Além do hino, a cada hora, aproximadamente, o grupo entoava a oração do Pai-Nosso. Não é um dado estatístico, claro, mas havia uma concentração quase igualitária entre evangélicos (em uma quantidade talvez um pouco maior) e católicos.

Muitos disseram que tem como religião "o Brasil", se esquivando da resposta verdadeira. Não havia símbolo de qualquer crença nas barracas ou mesmo no chão, apenas bandeiras do Brasil e cartazes com mensagens golpistas.

Comerciante vendendo bandeiras na frente do 12º GAC em Jundiaí (SP) - Felipe Pereira/UOL - Felipe Pereira/UOL
Comerciante vendendo bandeiras na frente do 12º GAC
Imagem: Felipe Pereira/UOL

Aproveitando para faturar

Adriano Souza, 33, comerciante informal, corria para lá e para cá na Avenida 14 de Dezembro, que dá acesso ao quartel do GAC. "A camisa amarela acabou, só tem a azul, tamanho G"; "só tenho essas três bandeiras"; "infelizmente não tenho" era o que ele mais falava.

Morador de Carapicuíba, na Grande São Paulo, está "rodando o país" para conseguir algum dinheiro. Há dois dias sem dormir, veio de Curitiba, parou no Brás — tradicional bairro de venda de roupas e tecidos, na capital —, refez o estoque e veio para o interior.

"Hoje teve gente que comprou camiseta para torcer pela Seleção, e também quem veio para participar do protesto. Vou voltar no sábado, porque de fim de semana aqui fica mais cheio", disse, enquanto recolhia bandeiras de Portugal e outros países, que "encalharam".

A essa altura, um motorista passou e gritou "tem bandeira da Argentina?". "Tenho, pior que tenho", disse, rindo. Ela também encalhou.

Espiada no celular

Durante todo o período do jogo, algumas pessoas até abriam o celular para consultar o placar.

No primeiro gol de Richarlison, aos 17 minutos do segundo tempo, houve comemoração. Era possível ouvir alguns rojões soltos em bairros relativamente próximos. Quando alguns consultaram "o que havia acontecido", as vaias tomaram conta do ambiente.

Já no segundo, aos 28 minutos da etapa final, também de Richarlison, as vaias se intensificaram.

Ao fim da partida, sob o som de mais rojões soltos na cidade, se ouve mais uma vez o Hino Nacional e uma oração. A cada hora cheia, os dois cânticos são entoados pelos manifestantes.

Alguns bolsonaristas ficaram indignados com o resultado, xingando os jogadores e retomando as mesmas falas de antes da partida. Outros demonstravam neutralidade.

Mas, quando o "lema" pedindo ajuda das Forças Armadas voltou a ser entoado, todos se uniram novamente. Poucos saíram do local. A maioria promete continuar acampado. Até quando? Ninguém sabe.